NO NOVO TESTAMENTO
O cuidado especial de Deus pelos pobres e necessitados continua sendo revelado no Novo Testamento. Além de escrever mais do Novo Testamento do que qualquer outro escritor, Lucas também destaca a preocupação especial que Deus tem pelos pobres mais do que qualquer outro. Como um bom repórter, Lucas desenvolve a sua mensagem pela maneira que seleciona e relata histórias transmitidas por testemunhos oculares (Lucas 1.2; Atos 1.1). Juntamente com as testemunhas, ele é um “servo da palavra” (Lucas 1.2), não um criador dela.
O que está fazendo Deus ao enviar seu Filho ao mundo? Seu propósito para a salvação do mundo é apresentado em termos de amor e preocupação pelos fracos, desamparados e caídos, todos aqueles derrotados por seu grande inimigo, Satanás. Satanás, o enganador, se exaltou com o propósito de tomar o lugar de Deus. Como o rei de Tiro, Satanás, cheio de orgulho, disse: “Sou um deus; sento-me no trono de um deus no coração dos mares” (Ezequiel 28.2). Por causa de seu orgulho, pecado e violência, Deus o derrubou (Ezequiel 28.16). Deus fez o mesmo com todos os outros reinos antigos, incluindo o governo corrupto em Jerusalém, que se enfureceu contra o povo de Deus [nota de rodapé: Isaías 13-24; Jeremias 46-51; Ezequiel 27-32). Derrubando os orgulhosos, Deus está abrindo um lugar para que os pobres e humildes prosperem.
Maria, mãe de Jesus, uma jovem virgem recebeu a visita do anjo Gabriel, que anunciou o nascimento de um filho através da concepção do Espírito Santo (Lucas 1.35). Ao instruir-lhe a dar o nome Jesus a seu filho, o anjo disse, “Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu Reino jamais terá fim” (Lucas 1.31-33). Foi isso o que Maria celebrou em cântico quando visitou sua parente Isabel, a mãe de João Batista: “O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, pois ele atentou para a humildade da sua serva [Isto é Maria]… Derrubou governantes dos seus tronos, mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de mãos vazias os ricos” (Lucas 1.46-47 e 52-53).
Lucas continua sua narrativa. No início de seu ministério, Jesus definiu o propósito do seu ministério citando um texto do profeta Isaías. Jesus “foi a Nazaré, onde havia sido criado, e no dia de sábado entrou na sinagoga, como era seu costume” (4.16). Lá, foi-lhe entregue o livro do Profeta Isaías, e abriu-o à passagem de 61.1-2:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor” (Lucas 4.18-19).
Jesus se referiu a esse mesmo tema quando João Batista, da prisão, enviou lhe mensageiros. João, ouvindo de tudo o que Jesus estava fazendo, enviou dois de seus discípulos a Jesus, perguntando: “És tu aquele que haveria de vir ou devemos esperar algum outro?” (Lucas 7.19). Repare a resposta de Jesus: “Voltem e anunciem a João o que vocês viram e ouviram: os cegos vêem, os aleijados andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e as boas novas são pregadas aos pobres” (Lucas 7.22-23; Mateus 11.2-4).
A ênfase de Lucas nos pobres pode ser vista comparando seu registro das bem-aventuranças com o de Mateus. Enquanto Mateus interpreta o significado espiritual da primeira e da quarta bem-aventuranças, “Bem-aventurados os pobres em espírito… Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça” (Mateus 5.3-6), Lucas simplesmente escreve: “Bem-aventurados vocês, os pobres… Abençoados vocês que agora têm fome” (Lucas 6.20,21). Os pobres, aqueles que têm fome e sede, que buscam a Deus, pertencem ao reino. Todas as suas necessidades serão satisfeitas, como Jesus disse: “Peçam, e lhes será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta” (Lucas 11.9; Mateus 7.7). A primeira e maior dádiva é o Espírito Santo (Lucas 11.13), mas também está incluído o nosso bem-estar físico e emocional. “Não busquem ansiosamente o que comer ou beber; não se preocupem com isso … Busquem, pois, o Reino de Deus, e essas coisas lhes serão acrescentadas” (Lucas 12.29; 31; Mateus 6.31-33).
Incluídas no Sermão da Montanha, conforme Lucas, estão estas palavras: “Não tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar-lhes o Reino. Vendam o que tem e deem esmolas. Façam para vocês bolsas que não se gastem com o tempo, um tesouro nos céus que não se acabe” (Lucas 12.32-33).
Um fariseu ficou surpreso que Jesus não lavou [suas mãos, Marcos 7.2 e sgs]. Então Jesus explicou que o que está dentro do coração revela se alguém está impuro ou puro. “Mas deem o que vocês têm como esmola, e verão que tudo lhes ficará limpo” (Lucas 11.41).
Lucas diz que em outra ocasião, quando Jesus e seus discípulos estavam na casa de um fariseu para comer, Jesus disse-lhe:
“Quando você der um banquete ou jantar, não convide seus amigos, irmãos ou parentes, nem seus vizinhos ricos; se o fizer, eles poderão também, por sua vez, convidá-lo, e assim você será recompensado. Mas, quando der um banquete, convide os pobres, os aleijados, os mancos, e os cegos. Feliz será você, porque estes não têm como retribuir. A sua recompensa virá na ressurreição dos justos” (Lucas 14.12-14).
Isso reflete o desejo de Deus de que os pobres estejam à mesa no banquete da salvação (Lucas 12.23).
Todos os Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) contam a história de um jovem rico e importante. Ele tinha tudo o que o mundo oferecia: riqueza, juventude e posição. Além disso, ele possuía uma rica herança baseada nos mandamentos do Senhor; porém, ainda não se-sentiu satisfeito. Jesus lhe disse: “Falta-lhe ainda uma coisa. Venda tudo o que você possui dê o dinheiro aos pobres e você tera um tesouro nos céus” (Lucas 18.22). Ao ouvir isso, o homem ficou triste e saiu.
Uma pessoa que ouviu a mensagem de Jesus e a levou a sério foi Zaqueu, um chefe dos publicanos (cobradores de impostos). Foi um homem de posição, um supervisor de outros publicanos e rico (Lc 19.1-2). Quando Jesus expressou o seu desejo de ir para sua casa, ele imediatamente desceu da árvore e acolheu Jesus de bom grado (Lc 19.6). Em resposta à mensagem de Jesus, ele respondeu: “Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos pobres; e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais”. Jesus lhe disse: “Hoje houve salvação nesta casa!” (Lucas 19.8-9).
Ambos, Marcos e Lucas, contam da oferta da viúva de duas pequenas moedas de cobre. Qual foi o valor que Jesus deu a isso? Ele disse: “Esta viúva pobre colocou mais do que todos os outros … ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver” (Lucas 21.3-4; Marcos 12.42-44).
Jesus contou uma parábola sobre um homem rico que ignorou um mendigo repugnante (“coberto de feridas”) ao seu portão. Lázaro recebeu um nome cujo significado é “ajudado por Deus”. Sem nome específico, o homem rico tinha unicamente um só apoio, a sua riqueza, e essa foi retirada com a morte. Embora rejeitado pelos homens nesta vida, Lázaro não foi esquecido por Deus na hora da morte. Ele foi levado para o lado de Abraão, enquanto o rico foi abandonado para o tormento de Hades, o reino dos mortos perdidos. Jesus sugeriu que, se tivesse ouvido Moisés e os Profetas, as escrituras do Antigo Testamento, e se tivesse se preocupado com a situação dos pobres (Lucas 16.29), ele não teria ficado atormentado.
E não devemos omitir a Parábola do Bom Samaritano, que ensina que nosso próximo é qualquer pessoa em necessidade. Devemos amar nosso próximo, especialmente um necessitado, como gostaríamos de ser tratados se nós estivessimos em uma situação simelhante. O samaritano foi “o próximo” do homem assaltado e espancado por ladrões porque teve piedade dele. Jesus disse: “Vá e faça o mesmo”. (Lucas 10.37).
Jesus disse:
“Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mateus 11.28-30).
Para pessoas cansadas e famintas, Jesus multiplicou cinco pães e dois peixes que ele partiu, deu graças e deu a seus discípulos para distribuírem a uma multidão de pelo menos 5.000 homens (Mateus 14.21). O povo entendeu o significado disso. Eles pediram mais outro sinal: “Que sinal miraculoso mostrarás para que o vejamos e creiamos em ti? O que farás? Os nossos antepassados comeram o maná no deserto” (João 6.30-31). Infelizmente, eles queriam mais comida perecível, enquanto Jesus estava oferecendo-lhes a si mesmo, o verdadeiro pão do céu, o pão da vida (João 6.32 e 35). Quem crê nEle viverá para sempre (João 6.51).
Mateus registra o último discurso principal de Jesus antes da sua traição, sofrimento e morte. Finalizando esse discurso Jesus falou sobre seu retorno em glória para sentar-se no seu trono para julgar. Como um pastor separa as ovelhas das cabras, assim Jesus separará aqueles que foram seus seguidores daqueles que não foram. Sobre suas ovelhas, seus seguidores, ele diz:
“Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu tive fome e vocês me deram de comer; tive sede e vocês me deram de beber; fui estrangeiro e vocês me acolheram; necessitei de roupas e vocês me vestiram; estive enfermo e vocês cuidaram de mim; estive preso e vocês me visitaram’” (Mateus 25.34-36).
A igreja cristã, formada como resultado do derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes, tinha como uma das suas marcas identificadoras a venda de suas propriedades e posses, a fim de dar a quem precisasse (Atos 2.45). O que Israel não fez quando ignorou a Lei do Jubileu (Levítico 25.8-55) a igreja fez pelo poder do Espírito. A cada cinquenta anos, Israel não tocava a trombeta em todos os lugares da terra para proclamar liberdade a todos (25.9-10). Os escravos não foram libertos. A terra que um israelita foi forçado a vender para pagar dívidas não foi resgatada e devolvida à família. As dívidas não foram canceladas e a terra não recebeu descanso. Em suma, os pobres não foram acudidos, mas explorados.
Isso mudou, porém, no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo foi derramado. Os apóstolos receberam a liberdade e poder para testemunhar sobre a ressurreição de Cristo (Atos 1.8). Aqueles que retornaram a Deus e foram batizados “se dedicavam ao ensino e à comunhão dos apóstolos, ao partir do pão e às orações” … Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum” (Atos 2.42 e 44).
Com o créscimo de até mais do que cinco mil homens (Atos 4.4) que se tornaram discípulos, alguns dos necessitados foram ignorados. Uma razão disso foi uma certa discriminação étnica, pois as ignoradas foram as viúvas que falavam a língua grega. Quando os judeus helenistas (de língua grega) se queixaram dos judeus hebraicos porque suas viúvas estavam sendo negligenciadas na distribuição diária de alimentos, os apóstolos não ignoraram a queixa. Os clamores dos fracos e marginalizados foram ouvidos. Os apóstolos nomearam diáconos, líderes com nomes gregos, para administrar a distribuição diária de alimentos. (Atos 6.1-6).
Dorcas, a quem Pedro ressuscitou da morte, “se dedicava a praticar boas obras e dar esmolas” (Atos 9.36). Fazer mantos e outras roupas foi apenas uma das maneiras pela qual ela ajudou as viúvas (Atos 9.39). O centurião Cornélio, que com toda a sua família (família e servos) era devoto e temia a Deus, deu generosamente aos necessitados e orou a Deus continuamente (Atos 10.2). Ao ouvir a mensagem de Pedro, ele e sua família receberam o derramamento do Espírito Santo e foram batizados (Atos 10.44-48), apesar de serem gentios.
O apóstolo Paulo se preocupou com a divisão na igreja de Corinto manifestada pela exclusão dos pobres quando se reunia para a festa de amor, a celebração da ceia da comunhão em memória do Senhor Jesus. Ele escreveu: “Cada um come sua própria ceia sem esperar pelos outros. Assim, enquanto um fica com fome, outro se embriaga” (1 Coríntios 11.21). Eles não estavam discernindo o “corpo do Senhor” e, em consequência, estavam comendo e bebendo “para sua própria condenação” (1 Coríntios 11.29). Os ricos agiram como uma elite em um banquete, tratando os outros como “servos” que estavam esperando a sua vez. Estes não foram tratados como irmãos e irmãs de uma família, compartilhando juntos como iguais, todos sendo pecadores redimidos pelo sangue de Jesus e participantes dos benefícios de sua oferta na cruz.
Paulo também dedicou dois capítulos da sua segunda carta à igreja de Corinto, exortando-os a contribuir liberalmente para a oferta levantada pelas igrejas gentias “para os pobres entre os santos de Jerusalém” (2 Coríntios 8-9, Romanos 15.26, Atos 24.17). Quando surgiu a questão do batismo dos gentios sem que antes fossem primeiro circuncidados como judeus, o Sínodo em Jerusalém deu sua bênção sobre a prática. Ao relatar essa decisão aos gálatas, Paulo escreveu: “Somente pediram que nos lembrássemos dos pobres, o que me esforcei por fazer” (Gálatas 2.10). Isso não foi relatado nos requisitos finais do Sínodo para as igrejas gentias (Atos 15.29), mas evidentemente foi comunicado aos delegados – Paulo, Barnabé, Judas e Silas – oralmente (Atos 15.27). Não foi escrito, mas Paulo se lembrou disso como uma das coisas mais importantes a se lembrar.
Quando Paulo partiu de Éfeso indo para a Macedônia, ele insistiu que Timóteo ficasse ali (1 Timóteo 1.3) para continuar a ensinar e liderar em questões de culto, a seleção e nomeação de presbíteros e diáconos e muito mais. Ele deveria se dedicar “à leitura pública da Escritura, à exortação e ao ensino” (1 Timóteo 4.13). Ele também deu instruções sobre quais viúvas eram dignas de apoio e o que deveria ser o ministério delas na igreja (1 Timóteo 5.3-16). Recursos financeiros para um ministério desse tipo tinha que vir de algum lugar; então ele diz a Timóteo:
“Ordene aos que são ricos no presente mundo que não sejam arrogantes, nem ponham sua esperança na incerteza da riqueza, mas em Deus, que de tudo nos provê ricamente, para a nossa satisfação. Ordene-lhes que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos a repartir. Dessa forma, eles acumularão um tesouro para si mesmos, um firme fundamento para a era que há de vir, e assim alcançarão a verdadeira vida” (1 Timóteo 6.17-19).
É interessante observar que os pobres estavam na mente de Paulo quando ele, pela última vez, instruiu os presbíteros de Éfeso em sua última viagem a Jerusalém. Paulo os lembra de como ele ministrou entre eles e como deixou um padrão a ser imitado. Ele terminou sua mensagem com estas palavras:
“Vocês mesmos sabem que estas minhas mãos supriram minhas necessidades e as de meus companheiros. Em tudo o que fiz, mostrei-lhes que mediante trabalho árduo devemos ajudar os fracos, lembrando as palavras do próprio Senhor Jesus, que disse: ‘Há maior felicidade em dar do que em receber’ (Atos 20.34-35).
Tiago, o irmão de Jesus escreveu, “Se um irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia e um de vocês lhe disser: ‘Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até satisfazer-se’ sem, porém, lhe dar nada, de que adianta isso? Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. (Tiago 2.15-17). Ele estava ilustrando o princípio geral, “A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” (Tiago 1.27).
O apóstolo João, em sua primeira carta, diz que se compreendermos o amor de Cristo que o levou a dar a sua vida por nós, estaremos prontos a dar a nossa vida por outros crentes.
“Nisto conhecemos o que é o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós, e devemos dar a nossa vida por nossos irmãos. Se alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em necessidade, não se compadecer dele, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade” (1 João 3.1-18).
